Michel Foucault usa a palavra dispositivo para falar de um conjunto de práticas, discursos, instituições e saberes que moldam a forma como entendemos determinados temas na sociedade. Não é uma ferramenta isolada, mas uma rede inteira que organiza como pensamos, sentimos e agimos. Quando ele fala em dispositivo da sexualidade, está mostrando que a sexualidade não é apenas algo íntimo e individual: é um campo político.
Para Foucault, a sexualidade foi transformada em um lugar de vigilância e controle. Ao longo da história, medicina, psicologia, direito, religião e escola passaram a definir o que é desejável, o que é permitido, quem pode fazer o quê e de que maneira. Com isso, identidades e práticas foram classificadas como “normais”, enquanto outras foram tratadas como risco, pecado, crime ou patologia.
O dispositivo da sexualidade funciona quando profissionais, instituições e discursos produzem verdades sobre os corpos. Quando dizem que existe um padrão correto de viver gênero, amar, desejar ou formar família. Quando um prontuário coloca a heterossexualidade como default. Quando orientações normativas tentam corrigir corpos que fogem à norma. É assim que o dispositivo opera: criando fronteiras entre o que é reconhecido como legítimo e o que é empurrado para a margem.
Para profissionais de saúde, entender isso é urgente. Porque cuidar não é apenas aplicar técnicas: é lidar com corpos atravessados por história, poder e desigualdade. Um profissional que não compreende o dispositivo da sexualidade corre o risco de reproduzir violências sem perceber, patologizando identidades, impondo narrativas moralizantes ou negando autonomia ao paciente.
Por outro lado, quando esse profissional reconhece que a sexualidade foi usada como instrumento de controle, ele passa a agir com mais ética, escuta e responsabilidade. Passa a entender que sua função não é normalizar corpos, mas garantir que eles possam existir com dignidade. Passa a enxergar que saúde afirmativa não é militância: é prática clínica baseada em crítica, cuidado e humanidade.
Na Pride Care, esse entendimento orienta tudo: da escolha de profissionais às nossas formações, passando pelo modo como acolhemos cada pessoa que chega. Porque romper com o dispositivo da sexualidade é, também, abrir espaço para que vidas LGBTQIAPN+ possam existir fora da lógica de correção, e dentro da lógica de cuidado.
