Michel Foucault foi um filósofo francês que dedicou sua vida a entender como o poder funciona, não só no governo, mas dentro de instituições, discursos e práticas cotidianas. Para ele, o poder não é apenas repressão. Ele também produz: produz verdades, produz normas, produz modos “corretos” de existir. E é por isso que Foucault é tão importante quando pensamos em saúde.
Foucault mostra que, ao longo da história, a medicina e as instituições de saúde se tornaram lugares centrais na produção de normas: o que é um corpo saudável, o que é um comportamento aceitável, o que é “normal” e o que deve ser corrigido. A saúde deixou de ser apenas o cuidado com o corpo e passou a ser um campo onde se definem padrões, e quem se afasta desses padrões passa a ser vigiado, medicalizado, disciplinado.
É nessa lógica que corpos LGBTQIAPN+ são tratados como desvios: não porque exista algo de errado com eles, mas porque as normas produzidas historicamente não os reconhecem como legítimos. Foucault nos lembra que normalidade é uma construção, não um fato natural. E toda vez que algo é construído, alguém está definindo os critérios — geralmente quem detém poder.
O filósofo também nos alerta para o funcionamento dos discursos médicos: não basta um diagnóstico para transformar um corpo em problema; basta uma narrativa, um saber que se apresenta como verdade absoluta. Assim, o poder que atravessa a saúde não está só na sala de consulta, mas nas palavras que definem doença, risco, perigo, tratamento.
Aplicado ao nosso cotidiano, isso significa que práticas de saúde que se dizem neutras podem, na verdade, reforçar desigualdades. Podem patologizar identidades, negar legitimidade a certos corpos e impor modos de vida que não se encaixam nas realidades das pessoas.
Quando pensamos na Pride Care, pensar com Foucault é entender que cuidado é sempre político. Que acolher um paciente LGBTQIAPN+ não é apenas oferecer um serviço, mas questionar a própria estrutura que historicamente o excluiu. É assumir que saúde só pode ser saúde quando deixa de ser instrumento de normalização e passa a ser espaço de liberdade, reconhecimento e possibilidade.
Se o poder produz normas, o cuidado afirmativo produz existência.
